Quarentena e o demônio da produtividade

Por We can be readers - maio 05, 2020

Enquanto o novo episódio do podcast We can be readers não sai (ele está sendo pensado, pesquisado e bem planejado), resolvi falar um pouquinho sobre a nossa condição de  quarenteners e o demônio da produtividade - como diz bem claro no título. 

Quantos links sobre cursos online você recebeu hoje? E essa semana? E no último mês? Quantas lives no instagram, youtube ou facebook você acessou e/ou participou? Aposto que os números são surpreendentes, até mesmo para quem passava muitas horas na internet. 

O maior diferencial vivido por nós nesse momento, creio, seja como dar conta desse tudo que chega via mensagem. É quase uma obrigação ser produtivo e seguir o baile da vida como se nada estivesse acontecendo ou então como se tudo estivesse acontecendo e simplesmente fosse possível se conformar diante de nossa impotência. 

Fadados a ficar em casa - e esse é um privilégio, temos que reconhecer isso - criamos estratégias para seguir mantendo um fiozinho capaz de nos conectar com o antes e nos faça esquecer o quanto estamos sendo esmagados pela necessidade do ser útil, eficiente e produtivo. Se isso já era um problema na era pré-pandemia, imagine agora. 

Na minha cabeça, o período de isolamento social seria a oportunidade perfeita para ler ainda mais do que antes. Ledo engano. Estou lendo bastante, mas o foco não está o mesmo e a tendência a abandonar algumas coisas pelo caminho é alta.

     Céditos imagem: Annie Spratt 

Mesmo assim, tenho três títulos rolando numa boa e um quarto que volta e meia pego para ler. 

 O urso e o rouxinol, de Katherine Arden 

A história se passa num vilarejo russo e mescla crenças cristãs e pagãs. Uma menina, Vasya, não corresponde aos padrões do que uma menina deveria ser na época e é isso o que eu posso dizer do que li até o momento. Eu não conhecia essa escritora, o livro apareceu como sugestão no Kindle Unlimited e está sendo bem interessante. Não sei se tem potencial para ser uma grande obra modificadora da minha vida, mas pelo menos está ajudando a segurar essa barra de coronavírus. 

Espelhos - uma história quase universal, de Eduardo Galeano

Estou lendo aos pouquinhos, já que os relatos são bem curtos. O livro, no entanto, é longo. As narrativas dessa humilde história quase universal seguem uma lógica temporal e se encadeiam de um modo mais fluido. Tudo isso com a leveza e a perspicácia e a ironia de Galeano.

O continente, vol. 1 - Erico Verissimo

Essa releitura está conseguindo aquietar meu coração. Estar dentro dessa narrativa me faz recuperar uma sensação de conforto, de território familiar. Creio que releituras são muito válidas para esse momento, pois você já conhece a história, sabe que é bom e não tem aquela ansiedade gerada pelo desconhecido - de um livro emocionante ou de um livro simplesmente morno. 

De tempos em tempos, O ponto zero da revolução, de Silvia Federici 

O livro da escritora, feminista e ativista ítalo-estadunidense, conhecida pelo trabalho excelente Calibã e a  bruxa, possui uma reunião de textos abarcando uma linha temporal de mais de 30 anos sobre a questão do trabalho doméstico e o quanto a exploração dessa mão de obra grátis e feminina faz com que o sistema capitalista continue explorando homens e mulheres. É muito mais complexo do que isso, claro, mas são reflexões muito importantes para se pensar o feminismo. Enquanto houver capitalismo, haverá exploração principalmente das mulheres - e muitas vezes por mulheres. Romper a exploração é recuperar a nossa liberdade e sair das amarras do sistema capitalista. 

O que vocês estão lendo? Conta aí. 
Se não estão conseguindo focar em nada, não há problema. Uma pandemia que mata massivamente todos os dias é mais do que justificativa para ficarmos "inertes". 

Quem puder, fique em casa.

Até a próxima! Se cuidem. 

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4 comentários

  1. Fantástico, Sue! Os dias aqui também têm sido mais do mesmo.
    Comecei a ler, aos poucos, O oráculo da noite, do Sidarta Ribeiro, e essa quarentena tem me servido pra recuperar o hábito da leitura, que vinha se perdendo. Já li um tanto de livros SEM obrigação, e houve momentos na vida em que pensei que isso já não seria possível. Tenho feito boas (auto)descobertas. Força aí!

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    1. esse livro do Sidarta eu comecei a ler no kindle antes de entrarmos em quarentena. por saber que era um livro longo e provavelmente não conseguiria dar conta com outras leituras, acabei deixando ele em stand by. acho que a gente tem sempre que se permitir ler por ler, isso mantém o leitor apaixonado vivo dentro da gente. compartilha essas descobertas, não deixa guardado! :D

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  2. Amei o post! Fico pensando que o imperativo de ser produtivo é muito pernicioso; ele se infiltra em tudo. A arte passa a ser funcional: ela é meio para atingir a sonhada produtividade, como terminar um livro. Onde a gente fica nisso tudo? Né?

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    1. A enxurrada de cursos online, webninários, conferências - com foco na produção, especialização está sendo pior, pois nos sentimos ficando para trás quando não aceitamos essas oportunidades. Não está sendo fácil!

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