Das artes de pedir - e de trocar

Por We can be readers - junho 18, 2020

Quinta-feira é o dia que reservo para a gravação de um novo episódio de podcast para que, com muito empenho do Rafael Rechia (quem junta as vozes, coloca a trilha do início, musiquinha e fundo e o fim), a coisa chegue no Spotify, Anchor e outras plataformas que não lembro o nome na sexta-feira à tardinha ou à noite. 

Hoje foi um dia bastante especial nessa funça de gravação porque além do Régis Garcia, que tá participando de quase tudo e topando várias leituras surpresa, contei com a presença da Lidiane Dutra, uma pessoa que admiro demais e, principalmente, uma artista a quem só posso dirigir elogios. 

Para quem não sabe, a Lidiane Dutra (clique AQUI para acessar o blog dela) é a ilustradora da nossa arte do blog e do podcast. É a coisa mais linda desse universo, vai dizer? 


Conversamos sobre o livro A arte de pedir ou como aprendi a não me preocupar mais e deixar as pessoas me ajudarem, de Amanda Palmer. Como bem disse o Régis, e também fiz questão de frisar, o título não é convidativo. Parece auto-ajuda, daquelas que os autores nos enchem de receitinhas para melhorar a nossa vida.

Porém, como eu havia conhecido esse livro através de uma postagem da Lidi no Facebook, tinha certeza de que havia conteúdo ali. A Lidiane é uma ilustradora incrível (já falei isso? ela é!) e está sempre antenada nos mais variados assuntos. Ela estuda muito as coisas sobre arte, mas também lê muita coisa bacana de ficção e, no caso descrito, autobiografias e biografias. 

Ironicamente, eu não sou muito do gênero. Digo "ironicamente" porque trabalhei com a poesia autobiográfica do Carlos Drummond de Andrade no doutorado. Aquilo ali foi punk, o cara não era um danado dum gênio mesmo? 

Aprendi a gostar de autobiografias por conta de sua parcela imaginativa - coisa definitivamente aceita para quem trabalha com o gênero, embora biografias ainda me soem estranhas - porém quero me adaptar a elas com o passar do tempo. 

Cadê eu? Ah sim, Amanda Palmer e A arte de pedir. Conhecia  Amanda do site Brain Pickings. Volta e meia a autora, Maria Popova, posta algum texto sobre um poeta ou uma poeta e lá está a Amanda declamando. Quando vi a capa de um livro escrito por ela nos favoritos da Lidi pensei: hmm, quero! 

Ler na quarentena tem sido difícil e acreditava que um livro mais leve fosse me fazer bem. 

Nossa... leve? (Só na aparência). Sim, o livro é autobiográfico e tem uma temática principal condutora: a carreira artística de Amanda desde suas experiências como estátua viva até chegar a arrecadação de 1,2 milhão de dólares na rede de crowdfunding Kickstarter (famosíssima dos estates). No meio do caminho, há os fãs. Há a gravadora - e o que a gravadora quer. Há a construção dessa carreira, há querer ser artista. Há o seu amigo (que passa a ser nosso) Anthony. Há seu relacionamento com o Neil Gaiman (gente, socorre aqui, ela só é casada com um dos autores mais foda de todos os tempos). Tudo de modo muito honesto, muito sincero. Um grito de legitimação para quem vive e respira a arte e para quem não consegue se livrar da "Patrulha da fraude" como ela mesma diz, aquelas pessoas que ficam te mandando trabalhar só porque você é artista e não um operador de caixa registradora em um mercado ou uma pessoa que trabalha com finanças. 



Já que as minhas estrelinhas do Goodreads (meu perfil aí linkado procês)  são tão comentadas, deixo aqui o último parágrafo da minha review do livro no referido site:

Aprendi tanto com esse livro... embora seja uma grande excursão pela arte de criar, de conectar - e de pedir! - e isso pareça não ter muito a ver com "pessoas normais", aprendi com as histórias dela como podemos observar nossas relações. Que temos dilemas em comum (ser feminista e aceitar ajuda do marido, por exemplo). As sutilezas da história dela com o Neil parece coisa de filme. Mas deve ser porque artistas respiram isso: ser essa coisa intensa o tempo inteiro. Admiro o que ela construiu com os fãs e essa doação incondicional - algo impensável para uma egoísta solitária como eu. 

Ainda, em um arquivo denominado "Diário da quarentena" (que mantenho para não esquecer minha história individual e também como membro da sociedade), escrevi o seguinte:

Andei 3 dias às voltas com um livro que nunca imaginei que fosse ler nessa vida, A arte de pedir, de Amanda Palmer. A Lidiane postou a capa no desafio de capas de livro, bastante recorrente no facebook e acho isso muito bom, e vi que isso tinha marcado ela bastante. Fui atrás e o resultado foi: apaixonante. O que uma autobiografia de uma rockeira feminista, artista de rua e com um sucesso jamais visto de arrecadação de fundos no Kickstarter poderia dizer sobre mim? Não muita coisa, na verdade. Mas ela se conecta com sua arte e sua verdade de um modo que toca no fundo do coração de todo o ser humano.Terminada essa explosão de histórias perpassando composição musical, performance de rua, turnês, tretas com gravadora e a tensão de começar um relacionamento com um escritor famoso como Neil Gaiman, fiquei com uma coisa no peito. Um questionamento: peço demais? Como me doo para o outro? Já não sei responder. Tudo isso, somado ao contexto pandêmico só tende a me sufocar mais.

Como pode ser observado, o livro deixou marcas profundas inexplicáveis. Ter a oportunidade de conversar com dois amigos sobre esse livro - o Régis totalmente topando o desafio de ler coisas novas só por confiar na minha palavra de honra, enquanto eu confiava na palavra de honra da Lidi, formamos essa tríade de pessoas ligadas por Amanda Palmer e sua mensagem extremamente importante para pensar a arte, o valor da arte e a valoração da arte. 

Não me considero artista. Me considero um tubo digestivo da literatura. Consumo, sinto, tenho uns ataques internos e vivo intensamente as histórias e divido com vocês. Escrever é de uma responsabilidade tamanha que só posso admirar quem assim consegue fazer. 

Acho que voltei a ficar emotiva ao pensar na conversa com os amigos, ao pensar na leitura desse livro e tudo o que remexeu aqui dentro. Fiquem comigo, amanhã (se tudo der certo), episódio no ar. 

Aceite a flor. 

Palestra de Amanda no TEDx : AQUI (é imperdível e diz bastante coisa sobre o que há no livro)  

Até!
An

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4 comentários

  1. Adorei nosso encontro virtual, me sinto honrada em participar do podcast de tantos modos, de ter minha arte e opiniões acolhidas de maneira tão querida.
    E lendo tua reflexão e o quanto o livro mexeu contigo, fiquei pensando várias vezes na responsabilidade que é indicar livros, falar sobre livros, atar as nossas experiências às histórias dos livros. Me peguei pensando na dimensão que um desafio do Facebook tomou, o quanto um livro que li há um bom tempo impactou na tua vida e na de tantas outras que chegaram até ele só pela imagem da capa.
    E pensei agora no Saramago (10 anos sem ele) e no tanto que falar sobre boas práticas, seja na arte, na educação, na política, nos tiram um pouco da nossa cegueira.
    Tô muito feliz, divaguei aqui. Muito obrigada pela oportunidade, e por aceitar a flor.

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    1. Que boa referência a Saramago! Pois é, acredito muito na disseminação das boas práticas. Não é fechar os olhos para a rede de esgoto do país, mas de tentar, o mínimo que seja, de não dar ibope para esse pessoal e espalhar o que é bacana, tão raro hoje em dia. Obrigada, Lidi! <3

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  2. Adorei o post e a proposta de leitura sobre o texto. A Lidiane é uma queridona que tive poucas conversas, mas que sempre está envolvida com arte. Gosto muito dos posicionamentos críticos nas redes, sem dúvida Amanda Palmer dizia algo significativo. Vou buscá-la com certeza. Ps: chocado com o fato de tu conseguires ter um diário de quarentena, Su. Amei-zing. Bjo!

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