No segundo episódio dos Mini readers - que tá dentro do podcast mais água salgada desse Brayzil, o We can be readers, recomendei um livro maravilhoso do Fernando Reinach, especialista em biologia molecular e professor titular do Departamento de Bioquímica da USP.
Reinach é um apaixonado pelas perguntas, aventuras, caminhos e descobertas da ciência, mas acha aquela linguagem técnica bem intimidadora para quem não é da área. Ele, então, nos ajuda muito ao comentar vários artigos com questões muito curiosas a respeito da vida no planeta de modo que seu comentário segue todo o passo a passo de um artigo científico - perguntas, métodos, análise de resultados e conclusões - de um jeito muito mais acessível.
A longa marcha dos grilos canibais e outras crônicas sobre a vida no planeta Terra é daqueles livros que são lidos de uma vez só, embora possam ser estendidos por um período maior. Suas 399 páginas quase não são sentidas, pois os artigos são bem sucintos e cada um deles desperta em nós um êxtase de descoberta que nos faz ir para o capítulo seguinte.
Quando gravei o Mini, estava no capítulo sete, ainda tinha muita coisa para rolar. Eis que cheguei na seção sobre Alimentação e me deparei com um artigo que me deixou muito pensativa.
Fiquei pensando como as coisas todas que ocorrem com a gente enquanto sociedade são, de um modo ou outro, muito previsíveis. Nossos cartomantes são os cientistas, que cavoucam a superfície da terra, cavam poços, pesquisam pequenos insetos, se jogam ao mar para trazer um pouco de sentido para essa loja de símbolos que é o mundo. Quando uma pandemia como a nossa acontece a gente nem deveria ficar surpreso - em algum lugar da ciência esses alertas já foram emitidos.
São muitas coisas que aprendemos com essa jornada no universo da ciência proposta por Fernando Reinach. Aprendi, por exemplo, que a inserção de um animal na lista de espécies ameaçadas de extinção acelera o processo de extinção ao invés de atrasá-lo. Isso porque se uma espécie se torna raríssima e último exemplar de seu modelo, ela passa a ser mais valiosa no mercado ilegal de animais exóticos. Aprendi também que o homem só estraga o funcionamento da natureza quando intervém nos ecossistemas na tentativa de "melhorar" esse funcionamento - sim, melhorar apenas para ele mesmo e visando ao lucro em 99% dos casos. Aprendi, com muita dor, que todos os seres que vivem hoje na Terra serão extintos um dia. Aceitemos ou não, esse é o processo da vida no planeta e essa é a evolução das espécies de Darwin em sua plena função. Acho que em algum momento a gente se iludiu com essa coisa de que somos o topo da cadeia por sermos os "inteligentes". Particularmente, acho o ser humano o animal mais burro da natureza, pois destrói conscientemente seu ecossistema - o único ao qual ele é adaptado. Os nossos colegas de universo nos dão uma aula de como se adaptar e não sugar o habitat em que se vive. Porém, não estamos prontos para essa conversa.
Ufa, depois dessa divagação, chego ao artigo desencadeador do devaneio em questão. Chama-se "Como alimentar a humanidade no século XXI". Tem toda uma questão envolvendo as áreas destinadas à produção de alimentos e o quanto elas destroem ecossistemas, existe a ponderação se isso é sustentável e coisa e tal. Só que o último parágrafo é desesperador:
"Ao mesmo tempo, existe uma reação contra a introdução de novas tecnologias e um desejo de voltar a métodos menos intensivos de produção. O que as pessoas têm dificuldade de entender é que essas propostas são incompatíveis com o aumento da quantidade de alimentos. A realidade é que só existem três saídas: aumentar a área agrícola, aumentar a produtividade ou torcer para que uma guerra ou epidemia diminuam a população do planeta. De uma maneira ou de outra, teremos que fazer nossa escolha" (REINACH, 2010, p. 316).
As três saídas apontadas por Reinach são péssimas e o uso do verbo "torcer" para que surja uma guerra ou epidemia nos leva a achar que seria o modo mais natural de fazer sumir esse problema, pois o mundo não está suportando o número de pessoas que produz e que precisam ser alimentadas.
O mais curioso é que tudo está interligado - o aparecimento de novas doenças está linkado ao consumo de certos alimentos, já tivemos experiências com a doença da vaca e a gripe suína. Uma hora ou outra o ecossistema regula aquilo que tá sufocando demais.
Não estou dizendo "que bom que existe a pandemia", de forma alguma - nem o autor. Só mostrando que esse tipo de acontecimento não é por acaso.
E o que isso tem a ver com o título? Para mim, tudo. Tenho estado muito triste nos últimos dias pensando no mundo que vai sobrar para depois da vacina. Ela existe, tá funcionando bem, China e Oxford disputando os holofotes de quem ganhou a corrida.
Não sei em qual mundo vou pisar quando puder ser imunizada. Se realmente o sol vai ter o valor, se a vida vai voltar ao normal ou vamos circular pela montanha de mortos sepultados e os não sepultados - os marginalizados pela pandemia que escancarou a podridão do capitalismo. Esse resultado também será cobrado no futuro. É uma tarefa bem dura, principalmente do ponto de vista da sociologia. Para a economia, tudo são números. A história se debate tentando buscar fontes que não sejam fabricadas.
Para olhar a ilha é importante estar longe dela - Saramago disse algo do tipo em alguma ocasião que não me recordo.
Até o próximo texto!
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