No mês de julho tive a oportunidade de participar de dois eventos diferentes falando sobre o podcast We can be readers, no Conchavo Literário, e sobre leitura e literatura no podcast E agora, migo?, da Camila Oliveira e do Alisson Souza.
Nessas duas ocasiões, falei sobre a diferença entre leitura e a literatura - essa elitizada e com L maiúsculo, sabe? Aquela literatura esnobe que a pessoa esfrega na tua cara "EU LI TAL COISA, SABE".
Todos aqueles que me conhecem sabem perfeitamente o que eu quero dizer quando afirmo: o leitor estava no mundo antes do crítico literário. Ou seja: a literatura (de ficção, nesse caso) precisa de leitores em primeiro lugar. O crítico vem depois. Morrem todos os críticos e a galera segue bem feliz lendo tudo o que cai no colo.
É por isso que afirmo com muita convicção (mais convicção que Sérgio Moro!): a leitura é uma questão de GOSTO.
Suellen, você tá dizendo que a saga Crepúsculo é melhor que Grande sertão: Veredas?
Sim e não. Depende.
Depende de quem leu e por que leu. Livros têm seus momentos, sabia? Se eu tivesse lido Grande sertão há 10 anos com certeza só teria sofrido e não teria curtido tanto quanto foi a leitura realizada no ano passado. Nunca li a saga Crepúsculo, mas porque o plot não me chama tanto a atenção. Não li Crepúsculo do mesmo jeito que nunca abri um livro da Anne Rice.
Outra coisa: já reparou que todos os livros considerados muito fodas clássicos que todo mundo deve ler são escritos (maioria esmagadora) por homens brancos? A Regina Dalcastagnè tem um estudo muito interessante sobre isso no livro Literatura brasileira contemporânea: um território contestado.
"Ah mas se o cara escreveu bem né, não tem nada a ver se é homem ou mulher". - Nossa, tem muito a ver, sim! Tem toda uma questão de representatividade muito forte e com o tempo passamos a enxergar isso com nitidez.
O ponto aqui é: a gente não vai acorrentar o leitor do cotidiano - aquele que lê por prazer e a leitura é muitas coisas e principalmente prazer - nas amarras da crítica.
Se você é pesquisador em literatura você tem o dever, a obrigação de tratar o seu objeto de estudo com seriedade, com método, com responsabilidade. Responsabilidade de não socar qualquer teoria goela abaixo da obra só para caber na tua pesquisa. E ter humildade para admitir que, de repente, aquela história não traz tantas coisas quanto você imaginou.
Ainda: se você é tão pesquisador intelectualzão da literatura você tem a obrigação de acompanhar as tendências, de se abrir ao novo. Ou a leitura é pra ser um disco rachado? Sempre os mesmos autores e as mesmas histórias? Por que não fazer um contraponto entre um super clássico e uma obra contemporânea de "prestígio canônico" ainda não afirmado?
Ainda: se você é tão pesquisador intelectualzão da literatura você tem a obrigação de acompanhar as tendências, de se abrir ao novo. Ou a leitura é pra ser um disco rachado? Sempre os mesmos autores e as mesmas histórias? Por que não fazer um contraponto entre um super clássico e uma obra contemporânea de "prestígio canônico" ainda não afirmado?
O leitor vive a história. Ele não escreve artigo. Não faz resenha acadêmica. O leitor se derrama na história e aproveita.
A fabulação é parte de nós e essencial a nós. Que leitores estejam envolvidos na fabulação já é muito chão andado.
Há por aí muitos livros que reproduzem estereótipos machistas, elitistas, racistas? Sim, aos montes. Inclusive dentro dos clássicos. Problematizar essas obras é o que devemos fazer, enquanto leitores críticos do mundo circundante. Ficar classificando as pessoas em "mais inteligentes" ou "menos inteligentes" por conta de seu inventário de livros é elitista pra caralho! Já devo ter feito umas coisas dessas na minha vida, não nasci alecrim dourado desconstruída. Passei a vida acreditando que a inteligência era uma caixa onde a gente colocava coisas. Mudei muito quando entrei no mestrado e depois o véu só foi caindo.
A educação no Brasil é um bem não acessível a todos. É muito desigual. Se falarmos da leitura o cenário é mais desanimador. Sério que a gente vai matar esse pequeno público leitor de ficção no nosso país? Mesmo? Com o tempo percebi que eu não ia querer ser a pessoa que julga, mas a pessoa que acolhe e que abre o leque de possibilidades.
Quando eu analiso um poema (que é a minha praia) ou vou mais a fundo em um romance é claro que percebo se o autor teve a capacidade de se desprender do cotidiano e fazer esse mesmo cotidiano se transformar em algo diferente. O imaginário deforma o real, já dizia Gaston Bachelard - um filósofo da matemática que soube ler poesia como ninguém. Tem muita coisa esteticamente ruim por aí, coisas que não suscitam emoção, criatividade, nada nadinha? Aos montes! É só procurar. Mas ainda assim, o leitor tem o seu direito de leitor respeitado e guardado.
Uma história é sempre o "como se conta" e nunca sobre "o que se conta". Muito já aconteceu e estamos repetindo padrões: romance, guerras, vingança, amizade, sofrimento. Tem tantas formas de dizer que "Joana foi à praia com sua mãe, nunca ninguém pensou que naquela mesma tarde suas vidas mudariam para sempre"; quanto mais forçada para ser "intelectualzona" pior vai ser.
Uma história é sempre o "como se conta" e nunca sobre "o que se conta". Muito já aconteceu e estamos repetindo padrões: romance, guerras, vingança, amizade, sofrimento. Tem tantas formas de dizer que "Joana foi à praia com sua mãe, nunca ninguém pensou que naquela mesma tarde suas vidas mudariam para sempre"; quanto mais forçada para ser "intelectualzona" pior vai ser.
Leitura e escrita são duas faces de uma mesma moeda, as duas são atravessadas por uma subjetividade também interceptada pela multiplicidade de experiências vividas no corpo e fora do corpo.
Com esse texto eu só quis falar mais uma vez: deixemos de colocar o véu da arrogância na literatura. Ela é nossa, de todos nós. Um direito, como bem apontava Antonio Candido. Façamos dela um direito e um motivo de felicidade.
Até a próxima, leitores!
2 comentários
Mais um texto da Suellen que eu vou ter que emoldurar, já está virando rotina.
ResponderExcluirAdorei!
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