Assumindo a dimensão ideológica da linguagem
Olá, readers desse Brasil que já tem vacina!
Volta e meia, de novo e de novo,
eu tô sempre batendo na tecla de que a linguagem tem poder, que toda a
manifestação de linguagem é permeada por uma ideologia, por uma posição
política - aqui precisamos pensar o político e o partidário (um pouco)
separados. É como se, assumindo uma posição política, você fosse obrigado a ser
favorável a determinado partido, mas não. A coisa vai muito além disso. Nossa
existência é política, o homem é um animal político, já dizia Aristóteles e na
época dele não existia PT nem PSDB.
Para não sair do meu foco –
linguagem e poder –, deixo essa pulguinha para vocês pesquisarem (se é que
ainda não o fizeram) – como a pessoa é política, de um modo geral.
Graças a um vídeo da Jana
Viscardi, recomendando 3 podcasts sobre linguística,
conheci o Babel Podcast e estou sorvendo, aos poucos, cada um dos 19 episódios já postados.
Os apresentadores, Cecília Farias e Bruno Guide, nos transportam para o universo de uma língua específica em cada episódio – como algumas palavras são formadas, curiosidades fonológicas, gênero, entre muitas outras coisas. Porém, falar de uma língua é falar sobre uma comunidade de falantes dessa língua e, inevitavelmente, relações de poder, relações de dominação, disputas por território, aculturação, enfim, um monte de coisas que influenciam uma língua e que, num primeiro momento, podemos pensar que não.
Embora os apresentadores sempre reforcem que "não somos um podcast de história", uma língua contém em si uma história nem sempre bonita, uma grande parcela marcada pela colonização do homem branco europeu (adicione um palavrão aqui).
É interessante trazer isso à
pauta, pois pode ficar parecendo que a linguagem só vai adquirir uma dimensão
política e ideológica no momento em que passa a ser trabalhada de forma
artística, resultando naquilo que chamamos de obra literária. Mas não é isso.
Quando discutimos a questão do gênero neutro, quando pensamos o preconceito
linguístico como um modo perverso de fazer os falantes de uma língua se
sentirem desconfortáveis para expressar o mínimo de seu dia a dia, estamos
encarando a linguagem em sua dimensão política.
Além de trazer essa questões e
divulgar esse podcast incrível, quero compartilhar com vocês um texto escrito
pela Cecília Farias, lá no blog do Babel Podcast. O texto chama-se “A posiçãoda língua” e eu nem vou comentar muito – Cecília deixa tudo muito claro e explicado.
Trago esse material de modo a demonstrar as minhas posições, tão bem expressas
pela autora.
No texto, o que é abordado
especificamente é a questão da política atrelada à linguagem, o quanto essas
duas dimensões estão imbricadas. Ainda, endeusar uma língua em detrimento de
outras é, sim, uma perversidade ideológica da pior espécie.
Como professora de língua inglesa, estou sempre demonstrando o quanto o inglês é importante para uma série de coisas – acesso a cultura, informação, conhecimento, nem sempre oriundos de sujeitos que possuem o inglês como primeira língua.
O inglês é, para mim, a ferramenta (eu toda utilitária) que utilizo para conhecer outras vivências, outras experiências e conhecimentos, em muitos casos produzidos por falantes de inglês como segunda língua, assim como eu.
Conhecer a língua do opressor, ainda, é uma
ótima alternativa para aprender a reconhecer estratégias de opressão e aculturação/apagamento
de outras culturas. Tudo isso para dizer que (hoje em dia) não vejo a língua
inglesa com olhar ingênuo e admiração sem qualquer reflexão. É uma língua que
eu curto falar e ensinar, mas seria a criatura mais feliz do mundo se pudesse aprender
muitas e muitas outras línguas, cada uma com sua particularidade e beleza, pois todas
são belas.
Quero destacar um trecho do texto da Cecília, para que possamos enxergar a nossa prática discursiva com mais responsabilidade, com mais reflexão. Para que deixemos de reproduzir a falácia da neutralidade, pois, se tratando de linguagem, isso não existe.
“Ele reclamava que enfiamos “politicagem em tudo”. Bem, não somos nós que enfiamos, é a política que está em tudo. Não seria diferente quando falamos de linguística, e negar isso, alegando neutralidade, varia entre o inocente e o mal intencionado. Todas as escolhas que fazemos são carregadas de nossas visões de mundo, correto? Por que seria diferente com as escolhas linguísticas? (E, vai por mim, as escolhas linguísticas que marcam nossa visão de mundo são muito mais arraigadas e sutis do que o gênero das palavras).Por exemplo, se escolhêssemos as línguas que serão tratadas nos episódios do Babel tomando como critério o número de falantes ou de pessoas que as estudam, estaríamos assumindo uma visão utilitarista de língua, de que precisamos aprender as línguas mais faladas no mundo todo – mas já pensaram pra pensar por que essas são as línguas mais faladas? Comece se perguntando se essas línguas são autóctones, ou seja, se eram faladas ali ou se foram levadas por algum processo de dominação”.
O “ele” em questão é uma pessoa que
ficou pê da vida porque a capa do episódio do Babel sobre russo mostrava uma
foto do exército soviético estendendo sua bandeira em Berlim, um marco do fim
do nazismo.
Cada vez mais, diante de um
Brasil atolado na negação da ciência e do desprezo pelo conhecimento,
precisamos afirmar nossas ações enquanto sujeitos como ações políticas. A nossa
sociedade se estrutura através de políticas públicas, estamos condicionados às
estratégias econômicas catastróficas de Paulo Guedes, nossa saúde está entregue
aos militares. Se eu preciso de uma consulta médica, todo sucateamento e caos
no sistema de saúde, definido por estratégias políticas, vai me afetar na
esfera individual.
Portanto, que possamos refletir e
deixemos de ser ingênuos e adversos ao ser político, enquanto o que realmente
desprezamos é a politicagem e a podridão espalhada pelos representantes (que,
para minha tristeza, são eleitos).
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