O gato preto, de Edgar Allan Poe

Por We can be readers - janeiro 20, 2021

Olá, readers!

Dia 19 de janeiro, comemoramos o nascimento do grande mestre das histórias de horror, o estadunidense nascido em Boston, Edgar Allan Poe. 

Por essa razão, o podcast voltou num dia atípico, em uma terça-feira. Você pode encontrar o episódio nesse blog, em algum local desta tela - só facilidades! Ou, se preferir, você pode clicar aqui e curtir o episódio direto no Anchor. 

Além de grande contista, Edgar Allan Poe é um dos maiores pensadores a respeito do gênero conto e da criação literária, de um modo geral. Seu ensaio The philosophy of composition (A filosofia da composição) é emblemático, desprezando totalmente a ideia de inspiração e enfatizando o grande trabalho braçal da criação, uma criação "matemática", calculada. 

O Edgar Allan Poe não teve uma vida lá muito fácil. Filho de artistas itinerantes, é abandonado pelo pai e, dois anos depois, perde sua mãe. Essa circunstância faz com que Edgar vá morar na casa dos tios John Allan e Frances Allan. Aos 6 anos, ele vai para a Inglaterra, onde estudou por 5 anos – aprendeu latim, francês, matemática e história. 

Aos 17 anos, Poe chegou a estudar na Universidade de Virginia, mas o tio John, apesar de muito rico, não mandava toda a grana que o rapaz precisava para se manter. A partir disso, Poe começou a beber muito e se afundou em dívidas. Um ano depois, ele largou os estudos. Só para não deixar passar - e porque eu acabei não falando no episódio - ele teve uma passagem nas forças armadas, mas não deu certo, mais uma vez por questões de grana, e ele acabou voltando para casa. 

Só para dar uma sintetizada: é em 1835 que ele começa a trabalhar como editor de um jornal, prêmio concedido por seu conto "Manuscrito encontrado numa garrafa". A sua morte permanece um mistério, já que ele foi parar num hospital em Baltimore, sem saber explicar exatamente o que havia acontecido com ele. Ele morreu no dia 7 de outubro de 1849.

Não dá para falar de Poe sem falar d'O corvo, poema icônico que ganhou a cultura pop (dá um Google aí para encontrar referências e memes). Nesse poema, uma das leituras possíveis é que seja uma metáfora para a morte de uma poesia romântica, já muito desgastada em termos de forma e temas. A dificuldade em abandonar Lenore, nada mais é do que a dificuldade de criar uma nova poesia. 

No que diz respeito aos contos, Edgar Allan Poe é bastante versátil dentro da proposta do horror. Temos contos de vingança, contos do sobrenatural, contos da culpa. "O gato preto", na minha percepção, se insere nesses "contos da confissão" ou "contos da culpa", junto com "O coração delator" e "O demônio da perversidade.

Como o título já expressa, o gato preto é peça central da história. Um sujeito, às vésperas de ser executado, escreve sua história, relatando o conjunto de circunstâncias que o levaram até ali. Em resumo, por conta de distúrbios de comportamento, ocasionados pelo abuso da bebida, esse narrador-criminoso acaba cometendo um crime (quase) sem querer. 

O gato preto, animal que possui pacto com as bruxas, de acordo com determinadas crenças, é o centro de sua agonia, uma vez que é contra esse gato que o sujeito inflige a maior das violências. 

A figura não cessa de retornar, em diversas formas, à consciência ou à loucura do personagem. Se querem evitar spoilers, não leiam o que vem a seguir!





Já com um novo gato em cena, ainda que mantendo muitas similaridades com Pluto (o gato preto "original"), o homem segue sua vida irritadiça e, no meio de um dia normal, acaba matando a esposa - quando sua intenção era dar fim a esse novo gato horrendo. Esperava-se que esse cara fosse ficar muito perturbado, mas ele fica muito tranquilo e pondera como deve dar sumiço no corpo. A solução encontrada é o emparedamento - estratégia que o Poe adora colocar em seus contos. 

Nessa função de emparedar, o homem acaba deixando o gato junto ao cadáver e, em uma das diversas buscas da polícia, o gato acaba miando e entregando o crime. (Gente, isso é super o resumão do resumão. Leiam o conto!)



Para quem já leu o conto, algumas considerações mais específicas:

Essa é uma história de horror muito peculiar do Edgar Allan Poe. Além da questão da perversidade marcada, devemos prestar  atenção no tema da razão em oposição à loucura e aos sentimentos – sejam eles perversos ou de desespero. Aqui, em vários momentos temos a noite como o período da instabilidade, insensatez (afinal, é à noite que ele sai para beber e é à noite que ele chega em casa) em oposição à manhã, período em que é capaz de pensar sobre os seus atos, discernir, compreender, racionalizar os seus atos. 

Há, ainda, a discussão do humano e do animal, de forma muito breve, mas que está ali. O homem se revolta ao pensar que um animal pode provocar em sua alma humana, “homem formado à imagem do Deus altíssimo”, tanta angústia intolerável. Essa inversão das supostas leis da natureza aterroriza o homem, que pensava poder cometer crimes hediondos contra seu animal preferido, sem sofrer nenhuma consequência de cunho moral, independente disso tudo ter começado por conta dos abusos do álcool.

Ainda, percebemos a mudança de status desse casal, pois isso não é muito enfatizado na história. 

Quando a casa deles pega fogo, bem no dia que o cara enforcou o gato preto, eles perdem todos os seus bens materiais. Além disso, o casal possuía uma empregada, portanto não se trata de qualquer família. Em sua outra casa, com esse outro gato maligno que nem nome tem, o narrador, muito rapidamente, menciona o declínio de suas posses: “até a adega do velho prédio que nossa pobreza nos compelira a habitar”. 

Não é possível manter a integridade quando se pratica um crime, não importa se contra um gato – inocente, pois amava seu dono, ou contra outro ser humano. Todo o crime desestabiliza, isso fica evidente. É claro que o álcool surge como grande motivador, o estopim da mudança de comportamento e, a partir disso, o narrador nos convida a pensar o tema da perversidade. 

O homem está prestes a ser enforcado no dia seguinte - na tradução, a palavra "carrasco" não dá conta de expressar exatamente como a execução vai acontecer. Em inglês, a palavra é "hangman" e que pode ser traduzida por carrasco, mas ela expressa mais diretamente a função de "homem que enforca". O destino do criminoso é o mesmo de sua primeira vítima, o coitado do Pluto.

É importante ressaltar, pensando nesses "contos da culpa", é que o narrador-criminoso não quer absolvição da justiça, não quer que as pessoas acreditem na sua história e em suas motivações, ele quer "aliviar sua alma". Portanto, a questão moral, ética, é trazida à tona. Independente do resultado, ele precisa confessar seu crime antes de ser enviado à morte ele mesmo. 

Mesmo em alguns contos em que o narrador consegue, de alguma forma, escapar impune, há uma reviravolta interna que obriga o criminoso à confissão. Isso remete muito a Dostoievski, que veio depois... será que Poe foi uma inspiração? Nunca busquei nada nesse sentido, mas... é possível. 

Espero que curtam a nova temporada do podcast!

Até outro dia! 


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