Caçadora de nuvens

Por We can be readers - abril 03, 2021

Olá, readers! Quanto tempo!

Estava com saudades de escrever por aqui e até rascunhei um post dia desses, mas parou na lata de lixo digital, pois não estava envolvida o suficiente com o tema. Era só mais um post contando sobre minhas experiências de leitura dos últimos dias. As coisas andam mais sossegadas por aqui e não vejo a hora de compartilhar algumas leituras muito massa. 

Hoje, no entanto, quero falar um pouco sobre processos de significação do mundo, imagem e escrita. 

Quem acompanha meu instagram pessoal (@suue_rr), sabe que ando bem fixada em fotografar e falar sobre nuvens. Essa fixação tem um momento bem específico na minha vida. Foi quando me deparei com uma matéria no Suplemento Pernambuco a respeito da poeta de um livro só, Hilda Machado

Foto do meu acervo pessoal. Porto Alegre, 2020. 

Bem, a história toda da Hilda Machado é muito impressionante. Professora, pesquisadora e cineasta carioca, Hilda escrevia poemas, mas não havia um grande interesse ou coragem para lançá-los como um conjunto poético.

Os poucos poemas que chegaram ao público antes do lançamento de Nuvens foram publicados aqui e acolá, mas nada muito pop. 

Após o suicídio de Hilda, em 2007, a coisa mudou de figura. Era preciso descobrir se havia mais do que já tinha sido publicado.

Em 2019, tamanho envolvimento com Nuvens, escrevi um artigo analisando o poema "Poeta", no qual Hilda Machado concentrou tudo aquilo que se entende - ou que ela entendia - por ser poeta. Mas não falarei sobre esse poema aqui, não hoje. 

Após o contato com o poema “Miscasting”, publicado na revista Inimigo Rumor em 2004, Ricardo Domeneck, grande entusiasta de Hilda, não mediu esforços para encontrar novos exemplares dessa desconhecida poeta, ainda que conhecida e premiada cineasta, professora e pesquisadora. O escritor sabia que “Miscasting” e, outro poema também publicado na mesma revista, “Cabo frio”, não podiam ser apenas fruto da sorte de principiante.

Em 2009, Carlito Azevendo cede outros poemas para Domeneck, que organizava o segundo número da revista Modo de usar & Co., ao lado de nomes como Angélica Freitas, Marília Garcia e Fabiano Calixto. Esses novos textos deram novas esperanças para os admiradores de sua poesia, não obstante as tentativas da autora para esconder essa face. Os poemas enviados a Carlito Azevedo só foram revelados após grande insistência por parte dele. Para a felicidade dos admiradores de poesia, Nuvens, livro de poemas organizado e registrado em 1997 na Biblioteca Nacional pela própria Hilda Machado foi encontrado. O trabalho da irmã Angela Machado e do leitor apaixonado, Domeneck, possibilitou a publicação da obra em 2018, pela Editora 34.

Acervo pessoal, Porto Alegre, 2021

Os poemas possuem uma estrutura similar: ora são longos, com alinhamento centralizado, acentuando um movimento de tensão e distensão, ora são reduzidos em uma estrofe com poucos versos, caso de “Impossibilidades”:

Viver suspensa nas nuvens
pôr nas nuvens o meu amor
e nunca mais cair das nuvens

(MACHADO, 2018, p. 55)

Bem, toda essa construção da Hilda Machado em torno das nuvens, ainda que seu único livro de poemas, um verdadeiro tesouro, não verse apenas só sobre isso, causou em mim algo que chamo significação da imagem da nuvem. 

Mais do que olhar para nuvens como potenciais bichinhos ou corações, olho para as nuvens como possibilidades do existir, no mais amplo sentido do termo. Água gasosa, a nuvem se sustenta no céu até o momento de chover. Interage com a luz, o vento e a escuridão. A nuvem dá indícios de como é ser e transformar-se a cada momento. 

Alguns mini poemas nasceram dessa interação com Hilda Machado e as nuvens que capto por aí. Deixo aqui imagem e texto com vocês.

Acervo pessoal, Porto Alegre, 2021

(Outro)

Labaredas se debatem
no interior da nuvem.
Com suas rendas e fendas
estilhaça a claridade
afugentando a noite
que se aproxima inevitável.

(Suellen Rubira, 2021)


Essa próxima imagem e poema são da minha cidade, Rio Grande. Eu vivo no trânsito Rio Grande - Porto Alegre com frequência, pois em 2020 me mudei para a capital para tentar outras oportunidades de trabalho. Graças à pandemia consegui flexibilizar meus territórios (ainda que isso signifique não ter lugar nenhum, como se fosse abandonada à beira da estrada - vai saber). 



Fuga

Estranho alimento
Pintura veloz no infinito
Sutil abertura para o lá

O depois
Incógnito para nós,
acidentes carnais. 

(Suellen Rubira, 2021). 

Com esse post espero duas coisas: que conheçam Hilda Machado e que observem as nuvens com mais cuidado. Elas mudam o tempo inteiro, mas estão sempre conversando com a gente. 

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