Sábado à noite, exausta, como muitos de nós estão. O confinamento remói a gente por dentro, mas é algo que vai além disso. É uma cascata de erros, mortes anunciadas e nenhuma chama fraca de um fósforo no fim do túnel.
No início do mês (estamos em abril), minha vida deu umas reviravoltas (por opção). Resolvi, no meio do pântano, oferecer um curso de leitura de poesia, com um preço razoável e número de participantes limitado, para que nosso maior ganho fosse a conversa.
O primeiro encontro foi realizado hoje e, apesar de não conseguir juntar muito as palavras, estou eternamente grata aos participantes e realizada. A poesia foi nosso assunto principal, portanto. Compartilhamos nossas experiências de leitores ou aspirantes a leitores do gênero, compartilhamos aquilo que mais nos toca e nos mobiliza. Para mim, esse é um dos sentidos da palavra comunidade.
Tenho tido dificuldade em me apegar a determinadas leituras, embora tenha concluído alguns livros nos últimos dias (O processo; Eu, Tituba: bruxa negra de Salém e Segredos, para citar alguns). Mesmo insistindo nesse exercício que liberta, sinto que estou cansada fisicamente para continuar.
O que me levou a pensar que, talvez, seja tempo de poesia. Reler minhas poetas favoritas, fazer o poema ressoar aqui dentro e deixar marcas através de seus versos-lâminas. O tempo circular da poesia há de acalmar todas essas angústias que tenho sentido.
Como sempre, preparei uma seleção de poemas, excertos de poemas, versos pungentes, para que possamos vivenciar essa retirada interior em comunidade.
Seguimos.
Enterros
partos
famílias
operações
doenças
revistas à portuguesa
o mesmo Tide
lava mais preto
*
Eu sou a luva
e a mão
Adília e eu
quero coincidir
comigo mesma
(Adília Lopes em: Aqui estão as minhas contas: antologia poética, p. 63)
Quem
nos roubou
o prazer
de existir?
Porque
nos roubamos
o prazer
de existir?
(Adília Lopes em: Aqui estão as minhas contas: antologia poética, p. 91) (uma observação aqui: o "por que" da pergunta, em Portugal, se escreve junto).
Ode
O início? O mesmo fim.
O fim? O mesmo início.
Não há fim nem início. Sem história
o ciclo dos dias
vive-nos.
(Orides Fontela, Poesia completa, p. 213).
Para encerrar, um pensamento que ficou me atormentando nos últimos dias:
Busquei dentro da casca
uma certeza
nenhum alimento.
(Suellen Rubira)
Sinto que não disse nada... peço desculpas. Nos vemos na próxima volta dos dias.
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