Tempo de repercussão

Por We can be readers - abril 17, 2021

Sábado à noite, exausta, como muitos de nós estão. O confinamento remói a gente por dentro, mas é algo que vai além disso. É uma cascata de erros, mortes anunciadas e nenhuma chama fraca de um fósforo no fim do túnel. 

No início do mês (estamos em abril), minha vida deu umas reviravoltas (por opção). Resolvi, no meio do pântano, oferecer um curso de leitura de poesia, com um preço razoável e número de participantes limitado, para que nosso maior ganho fosse a conversa.

O primeiro encontro foi realizado hoje e, apesar de não conseguir juntar muito as palavras, estou eternamente grata aos participantes e realizada. A poesia foi nosso assunto principal, portanto. Compartilhamos nossas experiências de leitores ou aspirantes a leitores do gênero, compartilhamos aquilo que mais nos toca e nos mobiliza. Para mim, esse é um dos sentidos da palavra comunidade.  


Photo by: Antonia Felipe (site: Unsplash)

Tenho tido dificuldade em me apegar a determinadas leituras, embora tenha concluído alguns livros nos últimos dias (O processo; Eu, Tituba: bruxa negra de Salém e Segredos, para citar alguns). Mesmo insistindo nesse exercício que liberta, sinto que estou cansada fisicamente para continuar. 

O que me levou a pensar que, talvez, seja tempo de poesia. Reler minhas poetas favoritas, fazer o poema ressoar aqui dentro e deixar marcas através de seus versos-lâminas. O tempo circular da poesia há de acalmar todas essas angústias que tenho sentido.

Como sempre, preparei uma seleção de poemas, excertos de poemas, versos pungentes, para que possamos vivenciar essa retirada interior em comunidade.

Seguimos.


Enterros

partos 

famílias

operações

doenças

revistas à portuguesa

o mesmo Tide

lava mais preto

*

Eu sou a luva

e a mão

Adília e eu

quero coincidir

comigo mesma

(Adília Lopes em: Aqui estão as minhas contas: antologia poética, p. 63)


Quem 

nos roubou 

o prazer 

de existir?


Porque

nos roubamos

o prazer

de existir?

(Adília Lopes em: Aqui estão as minhas contas: antologia poética, p. 91) (uma observação aqui: o "por que" da pergunta, em Portugal, se escreve junto). 


Ode

O início? O mesmo fim.

O fim? O mesmo início.


Não há fim nem início. Sem história

o ciclo dos dias

vive-nos.

(Orides Fontela, Poesia completa, p. 213). 


Para encerrar, um pensamento que ficou me atormentando nos últimos dias: 

Busquei dentro da casca

uma certeza

nenhum alimento. 

(Suellen Rubira) 


Sinto que não disse nada... peço desculpas. Nos vemos na próxima volta dos dias.

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