Para ler Hilda Hilst

Por We can be readers - maio 24, 2021

Olá, leitores desse blog! 

Depois de um hiato considerável, em decorrência dessa coisa chamada trabalho, estou de volta para falar um pouco do Curso Leitura de Poesia: Especial Hilda Hilst.

Realizado no sábado de 22 de maio, o encontro teve duração de pouco mais de duas horas, reunindo dez pessoas interessadas em ler, expressar e sentir a poesia de Hilda Hilst. Melhor do que ler poesia, só conversar sobre poesia! 

Meu primeiro contato com Hilda Hilst se deu em 2015, em uma disciplina do doutorado chamada Tópicos Avançados em Literatura Brasileira. O nome não esclarece muito, pois, na verdade, é uma disciplina pensada para que a professora aborde o assunto que achar mais pertinente dentro do grande tema literatura brasileira. Na época, a professora Raquel Rolando Souza explorou alguns mitos – Narciso e Orfeu, para citar alguns – a partir de uma poética produzida por mulheres. Estudamos os temas tendo em vista poemas de Hilda Hilst, Maria Ângela Alvim e Alejandra Pizarnik, para citar algumas.

Foi uma grande surpresa abrir um livro de Hilda e encontrar algo totalmente daquilo que eu ouvia a seu respeito: desbocada, pornográfica e vulgar. Bem, talvez com a homenagem concedida a ela na FLIP 2018 isso tenha modificado um pouco. Creio que a aura da "louca" permanece, mas há muito mais gente interessada em falar sobre o que ela realmente significa em matéria de literatura. 

Sua prosa está repleta desses elementos ditos "baixos", embora os transcenda com frequência. Hilda transitou pelo romance, teatro, crônica, mas era na poesia o seu território do pensar. Quando entramos em contato com a poética de Hilda Hilst, percebemos que todos os caminhos levam a uma filosofia a respeito da humanidade.



Essa busca por uma compreensão “do Homem”, ela declarou em diversas entrevistas, ainda que não existam (ou pelo menos não existiam há pouco tempo) estudos reforçando essa recorrência. Ainda assim, a poeta continua a ser rotulada de apenas uma coisa: a louca, a pornográfica, a desbocada, a difícil demais para ser compreendida. Rótulos são bastante redutores, ainda que consigam, muitas vezes, nos dar uma boa noção de como apreciar determinada obra. 

Exemplo disso é Carlos Drummond de Andrade. Na dificuldade em classificar sua poesia isto ou aquilo, chamaram-no de pessimista, grande gênio da poesia brasileira, pois ele foi tudo isso mesmo. Nunca abdicou de colocar os problemas sociais em pauta, ao mesmo tempo em que trouxe os dramas mais individuais do ser humano à cena poética. Isso também fez Hilda Hilst. Na verdade, o hermetismo de sua poesia era, diziam os críticos, uma consequência de sua separação com o mundo dito real. Sobre isso, Leo Gilson Ribeiro comenta:

Hilda Hilst não está engajada no sentido político do termo porque a sua escritura é uma subversão dentro do Infinito atemporal, que não se prende às contingências das mudanças de poder. Não que ela esteja alheia à miséria, à fome, à bota na cara dos totalitarismos de todos os matizes, mas a privação da liberdade está encaixada numa realidade plural e maior: a do homem e sua solidão nos siderais espaços mudos (RIBEIRO, 1977, p. XI). 

É ingênuo pensar que linguagem e política são duas coisas distintas ou que uma consciência política se manifesta unicamente através de um vocabulário explícito. O não dito muito comunica, sabemos disso plenamente e saímos em busca dessas fissuras nos poemas de modo a completá-las com nossa subjetividade.

Um exemplo bastante manifesto da consciência política da poesia e da linguagem em Hilda Hilst aparece no livro Júbilo, memória e noviciado da paixão, no capítulo “Poemas aos homens de nosso tempo”, em que encontramos poemas dedicados a Alexander Solzhenitsyn, Natalia Gorbanievskaya, García Lorca, entre outros. O livro Alcóolicas, de 1990, também traz algumas questões existenciais ligadas ao âmbito material. Novamente, ressalto a importância de não se deter ao vocábulo explícito. A poesia de Hilda Hilst coloca o indivíduo no centro de uma percepção para além do que os nossos sentidos podem captar. Talvez, essa seja a razão pela qual ela tanto conversa com o “Outro”, “Aquele Outro”, “Tua Face”, na seleção de livros reunidos em Do desejo.

A poesia, para Hilda Hilst, é um acontecimento, uma oportunidade para perceber e filosofar sobre a vida. Por isso, importam menos os temas e mais como ela os elabora. Quando fala da morte, por exemplo, é claro que o assunto lhe interessa. No entanto, na poesia, tratar o tópico "morte" é uma oportunidade de alinhar determinadas imagens e culminar no sublime poético.


O que descobri a respeito da biografia de Hilda Hilst foi através de um livro chamado Fico besta quando me entendem: entrevistas com Hilda Hilst, organizado por Cristiano Diniz. Apesar de achar muito interessante o modo como ela fala sobre suas percepções e sua atividade poética, sempre prefiro encarar os poemas com um tanto de desconfiança daquela mulher que declara ter escrito desse ou de tal jeito. É claro que a poeta é uma pessoa de carne e osso, que sabe como prepara sua escrita e de onde partem seus temas. Porém, acreditar piamente nas declarações de artistas pode nos impedir de captar aquilo que nem eles mesmos conseguem explicar dentro de suas obras. Com isso, quero dizer que o contato com a obra, sem interferências biográficas, ou pelo menos com uma ponta de desconfiança, pode ser bastante saudável para nossas leituras.

Deixo alguns poemas de Hilst para apreciação. A facilidade ou dificuldade em um poema muitas vezes tem a ver com a nossa postura diante dele. A primeira leitura é sempre o choque, a paixão, a comunhão com o ritmo. A partir dela é que outros sentidos vão reverberando e se constituindo. 



II

Amada vida, minha morte demora.

Dizer que coisa ao homem,

Propor que viagem? Reis, ministros

E todos vós, políticos,

Que palavra

Além de ouro e treva

Fica em vossos ouvidos?

Além de vossa RAPACIDADE

O que sabeis

Da alma dos homens?

Ouro, conquista, lucro, logro

E os nossos ossos

E o sangue das gentes

E a vida dos homens



Entre os vossos dentes.

(HILST, Hilda. Da poesia. p. 287) Originalmente em Júbilo, memória, noviciado da paixão.



VIII

Costuro o infinito sobre o peito.

E no entanto sou água fugidia e amarga.

E sou crível e antiga como aquilo que vês:

Pedras, frontões no Todo inamovível.

Terrena, me adivinho montanha algumas vezes.

Recente, inumana, inexprimível

Costuro o infinito sobre o peito

Como aqueles que amam.

(HILST, Hilda. Do desejo, p. 36 – em Da noite).


I

De cigarras e pedras, querem nascer palavras.

Mas o poeta mora

A sós num corredor de luas, uma casa de águas.

De mapas-múndi, de atalhos, querem nascer viagens.

Mas o poeta habita

O campo de estalagens da loucura.



Da carne de mulheres, querem nascer os homens.

E o poeta preexiste, entre a luz e o sem-nome.



(HILST, Hilda. Do desejo, p. 65 – em Via espessa)



Até a próxima!










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