Retalhos

Por We can be readers - julho 22, 2021

Estou tremendo e imagino que estejamos todos tremendo. A porta do galpão foi vedada, não há sequer rasgo de luz. Trememos na escuridão e isso é tanto que abro a boca ensaiando um grito que não sai. O resultado é meu céu da boca congelado. Fico sem grito, sem ar e exposto. 



Você saberia me dizer por que fomos trazidos para Uelstom? Acho que essa foi a última frase que proferi há alguns meses. Ainda estávamos na fronteira e nossos rostos ainda não haviam sido desfigurados.

Éramos poucos dignos antes e somos menos ainda agora, trancados nesse imenso lugar fechado que nos sufoca de imobilidade. 

Algumas mulheres emitem os sons fraquinhos de suas gargantas, pois não querem acabar como eu, com a boca toda aberta, feito um tonto. 



Não é possível identificar se são músicas ou gritos de guerra (sussurrados, claro) ou um disfarçando o outro. O que sei é que suas cabeças estão erguidas e as bocas trêmulas de vozes.

Se ao menos pudéssemos recuperar a pele dos nossos rostos, se pudéssemos ao menos identificar os apoiadores do regime, tão desfigurados quanto nós. Eles acreditam ser de uma casca diferente, mais embrutecida, mas estão sangrando. Estão infiltrados e todos sem saída. 

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