Servindo a quem?

Por We can be readers - agosto 01, 2021

Não ficou nenhuma foto que prestasse, nada, nada, ouço a mulher atrás de mim falar para outra pessoa (por mensagem ou vídeo), não sei. Pode não ter sido exatamente essa mulher, pode ter sido outra que passou. Só sei que uma mulher disse aquela frase e pensei na mesma hora "se o momento foi ao menos vivido, não dá pra dizer que não ficou nada". Entendo que a nossa dinâmica mudou. A existência é afirmada pelo digital. Quase não nos damos conta dessa existência crucial, que leva outras pessoas caminhantes à margem. Não só pessoas que não têm o que postar no instagram, mas pessoas alheias a serviços de saúde, educação e emprego, para dar alguns exemplos, que ficam excluídas dessa exclusividade do ser alguém apenas online.

Amamos o online porque é mais rápido e prático e quase nunca pensamos a internet como um luxo. 2020 escancarou várias relações que exploram seres humanos até o miolo profundo de suas almas. Foi em um episódio do podcast Vox Quick Hits que ouvi sobre o tema da internet como um bem excludente e inacessível para muitos e, depois que você começa a pensar sobre isso, é impossível não passar a enxergar toda a existência a partir de mais uma régua desigual e destrutiva.



Estamos viciados? Somos o produto? A luz afeta o nosso sono? Sim, sim e sim. As maneiras de existir no mundo digital, uma vez que você  pertence a uma determinada classe que pode garantir acesso a um conteúdo para além do Whatsapp e Facebook gratuitos (até na inclusão existe exclusão), você começa a sentir que a sua participação nesse mundo deve corresponder à maneira x ou y. Cada um existe na internet do jeito que escolheu ser, mas é inegável o quanto essa sociedade virtual vai cerceando, moldando, incitando o nosso modo de existir.

Nesses caso, só penso. Me faz bem pensar sobre as coisas a longo prazo e não há como voltar. Teremos que lidar com o vício da tela, com a luz que prejudica o sono, o trabalho que apita 24h por dia ao lado do travesseiro.

Escrevo isso sentada à beira do rio em uma tarde ensolarada de domingo. Tirei fotos, mas também ouvi o barulho do ir e vir da água, que me revolve toda por dentro.

A revolta da mulher desconhecida serviu para alguma coisa.





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2 comentários

  1. Ah, as pequenas epifanias dos fragmentos de conversa alheia. Belo texto, Sue. Obrigado por isso.

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    1. Principalmente se são coisas compreensíveis e não advogadas muito doidas hahaha :D obrigada pela leitura!

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