Fractura

Por We can be readers - setembro 09, 2021

Olá, readers!

Tô de volta aqui para falar do livro Fractura, do escritor argentino Andrés Neuman. A descoberta foi feita no Goodreads, quando a Alison Altmayer fez uma resenha bastante motivadora sobre a obra. 

Além de desafiar meu espanhol enferrujado, o romance faz com que a gente possa entender o termo fratura em muitos níveis. É terremoto, é objeto quebrado, é um ser partido. 

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O enredo

Yoshie Watanabe é sobrevivente da bomba atômica de Hiroshima e isso por si só já chama a atenção, pois (pelo menos para mim) não é típico encontrar histórias que abordem essa temática. O terremoto que antecede a tragédia de Fukushima causa uma fratura não apenas geográfica mas também dentro do próprio Yoshie. Fractura é o relato dessa trajetória de reconstrução do que se partiu em Yoshie. Quem curte um romance que preza pela memória com certeza vai curtir.

Quem conta

A história alterna a narração em 3ª pessoa onisciente e mais quatro narradoras: Violet, Lorrie, Mariela e Carmen, mulheres que passaram pela vida de Yoshie, enquanto ele corria de lá pra cá, fugindo de seu trágico passado no Japão pós-guerra. O relato delas é dado a um jornalista, que também tem seus momentos, um pouco mais perto do final do livro. O que temos de Yoshie é sempre mediado por algo exterior, mas sem deixar de transparecer o que ele é, pelo menos assim me pareceu. 

A geografia se rompe

Assim como é impossível manter a unidade - a pretensa unidade de ser alguém - , Yoshie Watanabe trata de saltar de país em país para fugir, talvez, do acerto de contas com o passado. Longe do Japão, pode garantir o sucesso de sua carreira e esquecer, o tanto quanto pode, de que é um sobervivente. Cada narradora indica um local diferente por onde Yoshie passou: Paris, Nova York, Buenos Aires e Madrid, essas são as cidades por onde Watanabe transitou. 

O interessante da coisa é

A narração por diversas vozes realça o lance da fratura. Não apreendemos Watanabe por suas palavras - que poderiam aumentar a ambiguidade sobre aquilo que se conta -, mas pelo narrador afastado (que trata da etapa de infância e velhice) e pelas mulheres. Elas contam suas experiências com ele e algumas coisas se sobressaem para todas, como o fato de Watanabe não sentir frio, por exemplo. As quatro mulheres relatam experiências de como o conheceram e o desenvolvimento dessa relação com um cara oriental. Embora ele seja um indivíduo japonês, ele possui elementos de toda uma cultura. Diferenças e similaridades entre culturas, comportamento e governos se tocam nesses relatos. Dá pra entender muito sobre o funcionamento da política em diversas partes do mundo. 

Impressões

Gostei bastante do modo como Neuman organizou a narrativa. Não sei se eu já estava um pouco cansada, mas chegou no final a impaciência começou a tomar conta. Acho que justamente por conhecermos tanto de um contexto político e as personagens ficarem um pouco à margem disso. Porém, essa é uma questão minha, nada tem a ver com a competência do escritor. Também não consegui captar muito Watanabe, acho que por conta da sua personalidade um tanto escorregadia, não sei explicar. As mulheres possuem vozes bastante distintas, mas, me parece, que eram muito parecidas em relação ao Yoshie. Ele era sempre o mesmo (exceto quando mais velho, que mudou um pouquinho) e elas também não se comportavam tão diferente assim. 

Vamos tratar de literatura como literatura?

Li uma resenha no Goodreads detonando o livro, falando que o Watanabe tinha uns pensamentos machistas e tal, e se de repente isso não era o que o próprio Neuman pensa. PAREM DE CONFUNDIR LITERATURA COM A VIDA REAL, TÁ? Embora narrativas machistas, violentas e racistas sejam o lugar comum, elas não são inválidas. Tu queria um Watanabe sobrevivente da bomba atômica, japonês e FEMINISTA? É ISSO? 

Além disso, a pessoa em questão ficou muito puta da cara com uma das falas que expressava as ideias do Watanabe em relação à postura da Alemanha após a Segunda Guerra, de que tiveram "colhões" (não exatamente essas palavras) de admitir o que fizeram e se envergonham disso. É um pensamento do personagem Watanabe, não do Neuman. É um pensamento de uma personagem que é parcial sobre algumas coisas que viveu. Um pensamento de uma pessoa que fugiu do Japão assim que pôde para não lidar com o seu passado. 

É revoltante uma pessoa assim? Claro que pode ser. Ainda assim, é um personagem, funcionando dentro da dinâmica da narrativa. Ficção.

À literatura só peço que seja literatura. Queremos endossar autores escrotos? De jeito algum, mas aqui o caso é justamente o personagem. Não é como pegar um livro do Monteiro Lobato que, além de ser um racista, produzia obras extremamente racistas. Se eu não consigo separar que o personagem viveu determinadas experiências, em uma época específica e com uma personalidade também específica, então por favor, preciso fazer terapia para compreender o mundo em suas camadas diversas.

É obrigada a gostar de livro que tem esse tipo de personagem? Claro que não! Eu também tenho um cansaço enorme da narrativa do homem branco de 40 anos, às vezes escritor, que está ainda se descobrindo, aí lá no meio da história ele se masturba de determinada forma (isso parece ser uma coisa super relevante para conhecer a personagem). Cansada dessa historinha sobre esses tipos. No entanto, eu não posso exigir nada de escritoras e escritores, não posso demandar que tragam pautas progressistas para dentro de suas narrativas, pois a literatura é essa outra coisa. 

Gosto de ter acesso a vozes múltiplas, procuro ler algo diferente do perfil homem branco classe média sempre a mesma coisa, porém se a pessoa faz isso só por fazer, são enormes as chances de sair algo ruim. Simplesmente não rola.

Estrelinhas

Quatro estrelas por ter me causado esse cansaço no final. Sabe qual é a questão aqui? É que eu não vi uma mudança tão significativa ao longo da vida do Watanabe como pessoa e com as pessoas que ele se relacionou para justificar as quase 500 páginas do livro. É uma reflexão importante sobre o funcionamento do mundo e como as grandes tragédias ocorrem e, de repente, são banalizadas e esquecidas? Com certeza. Mas dentro da ficção é preciso ter cuidado com essa medida entre o que eu quero reportar e o que os meus personagens estão vivendo. Ficou meio palestrinha, creio, e nisso vou concordar com a moça que fez a resenha negativa do livro. 

É isso, gente. Li muitas coisas bacanas na última semana, mas preferi fazer essa resenha basicona do Fractura, pois foi muito legal conhecer o trabalho do Andrés Neuman. 

Até a próxima!

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